top of page

“Pés para que os quero, se tenho asas para voar?”

  • Foto do escritor: Denise Polonio
    Denise Polonio
  • 20 de set. de 2015
  • 3 min de leitura

Atualizado: 29 de out. de 2021


A Coluna Partida, Frida Kahlo

Há exatos 3 meses da maratona que realizei em 20 de junho de 2015, busquei arduamente voltar à rotina de treinos. No primeiro deles, no Parque Villalobos, contei com a recepção carinhosa e curiosa de meus companheiros de pista, todos muito interessados em ouvir minhas impressões sobre a experiência de correr uma maratona em um país tão distante de nós, não apenas fisicamente.

Passado o período de euforia, vem a depressão pós-prova que nos atira num limbo e de onde parece que só sairemos se nos colocarmos imediatamente em novos desafios. Se por um lado acordar de madrugada para treinar soa sensato, há um outro lado igualmente ou bem mais atraente, que equivale a submeter-se à primeira Lei de Newton, a famosa e mais que manjada Lei da Inércia que reconhece, identifica e enuncia sobre a tendência que os corpos possuem de permanecerem em seu estado natural e, na ausência de forças, em repouso. Para sair desse estado, havendo um pequeno gasto de energia inicial, entramos em movimento e daí então, segundo esta mesma lei, a tendência do corpo é permanecer em movimento constante, retilíneo e uniforme.

Me inscrevi na MEIA MARATONA DE SAMPA a fim de provocar movimento em meu corpo, criando assim um novo estado de inércia naturalmente dinâmico.

Logo comecei a receber as planilhas de treino com o novo objetivo. Subidas, progressivos, intervalados e tiros em profusão, tudo como se entidades e forças ocultas comemorassem e conspirassem a favor de meu retorno aos treinos incitando disciplina e determinação, só que não...

Retomei os treinos com a meta de baixar meu tempo em meia maratona, cujo melhor foi na Meia Maratona da cidade do Rio de Janeiro, com a marca de 1h54min16 e, um minuto abaixo desse tempo, já seria o suficiente para me considerar vitoriosa nessa nova meta.

Assim, dado o impulso inicial, achei ingenuamente que seria o suficiente para voltar à rotina, porém negligenciei o fato de que apesar da força à favor do movimento, há forças atuando contrárias à este, há muito enunciadas por Galileu lá pelos idos do século XVII e eu, em plena e já ultrapassada era moderna, me permiti ignorar!

Ou seja, se por um lado há toda uma comoção a favor de que nos coloquemos em movimento, papel este muito bem desempenhado pelos treinadores e convictos corredores, há também uma reação oposta e quase maquiavélica colaborando para que voltemos ao estado de repouso.

No caso da física, são forças como o atrito e a resistência do ar que tendem a fazer com que o corpo volte ao estacionamento. No meu caso, fortes dores na coluna cervical oriundas de torturantes hérnias de disco me submetem à provações e à superações de dor muito maiores do que correr maratonas. Comecei com um leve torcicolo, que eu já sabia não ser tão simples assim, e a dor aos poucos foi ganhando meu corpo, do tronco para cima, quase me levando a nocaute. Pois bem, com muita relutância e teimosia me submeti aos protocolos da medicina convencional para se diagnosticar o irrefutável e nada surpreendente sortido cardápio de protusões e extrusões discais, além da hipertrofia de ligamentos entre vértebras, termos estes que sofisticam e geram um certo eufemismo para o que no fundo não passa da comprovação científica do desgaste a que nossos corpos estão submetidos, ou seja, do inexorável.

A despeito dos existencialismos nietzschianos e do incômodo fatalismo deste texto, gostaria de deixar uma mensagem positiva. Descobri que a arte, com seu poder de transmutação e subversão às leis da física, se oferece como um bálsamo à nossa existência.

Desta forma, nada mais apropriado para este momento do mais puro "pessimismo corajoso" evocar a imagem e o legado desta que foi uma das grandes artistas de nosso continente, Frida Kahlo, cuja frase é título deste post por ocasião da amputação de um de seus pés um ano antes de morrer.

As dores físicas de Frida, consequência da poliomielite e de um grave acidente que sofrera aos 12 anos de idade, devem ter sido algo que a torturaram durante toda a vida mas é certo também que eram, em boa parte, a matéria prima para seus quadros que além de provocações para nos tirar da inércia, eram também uma forma de se lidar com as dores do cotidiano e as tragédias pessoais.

Sendo assim, voltando à Nietzsche, o destino nos propõe ciclicamente as mesmas situações e, na impossibilidade de se interpretar a vida, não se iludindo de poder nela agir, é preciso aceitá-la com uma simplicidade infantil.

Bom domingo, bons treinos e boas leituras a todos!

Ah! E visitem a exposição de Frida Kahlo no Instituto Tomie Ohtake, até 10/01/2016.

A Coluna Partida é o nome do quadro que abre este post.

 
 
 

Comentários


Para ficar por dentro das novidades deste blog por favor insira um email válido.

Parabéns! Sua assinatura foi concluida

bottom of page