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Um domingo (quase) qualquer

  • Foto do escritor: Denise Polonio
    Denise Polonio
  • 31 de dez. de 2015
  • 3 min de leitura

Tiro a poeira da bicicleta e saio sem muita empolgação para percorrer as ciclofaixas da cidade no domingo entre o Natal e o Ano Novo. Ficar na cidade de São Paulo em datas festivas como esta e também no Carnaval, dá a sensação de que sobrou para você apagar a luz. Uma metrópole como São Paulo, sem boa parte dos que nela habitam, escancara seus maus tratos como o pobre mendigo que com sua fratura exposta busca sensibilizar uma platéia anestesiada em sua própria desgraça.

Começo pelo já habitual percurso até a Praça Panamericana seguindo o tapete vermelho até o Parque Villalobos de onde retorno para pegar a ponte da Cidade Universitária rumo à avenida do Jocquei Clube. Com poucos ciclistas, consigo aumentar a velocidade e em poucos minutos chego ao Parque do Povo, no bairro do Itaim, onde em dias úteis o trânsito nos torna a todos incógnitos ou quase invisíveis diante de tantos olhares dispersos e ensimesmados que circulam apressados pelas ruas da cidade.

Como num jogo de tabuleiro sigo avançando casas sem qualquer parada e deixo para trás mais um parque da cidade, o magnífico e fotogênico Parque Ibirapuera. A subida da Avenida Indianópolis até a Igreja de São Judas não é tão longa quanto a via crúcis mas ao fim desta tenho a sensação de ter aliviado com minhas pernas o peso de meus pecados. Com o sol entre nuvens, sigo em frente pela avenida Jabaquara, depois a avenida Domingos de Moraes e no bairro do Paraiso, opto por não seguir rumo ao festejado porém controverso novo espaço de lazer da cidade onde aos domingos nos são oferecidos pão e circo num ambiente nada bucólico o qual se tornou, já há algum tempo, a Avenida Paulista. Erraticamente mergulho na longa reta descendente da Avenida Vergueiro até a Praça da Sé, onde diante de uma suntuosa catedral, imigrantes Haitianos se misturam a muitos moradores de rua, raros policiais e alguns grupos de turistas assombrados e deslumbrados com um cenário que mescla à história o lixo presente.

A partir deste momento do trajeto sentí-me castigada por ter-me desviado no Paraiso rumo às profundezas do Vale do Anhangabaú (em Tupi-Guaran: água do mal espirito) e compreendo que devo pedalar sem parar para não ser tragada pelo vazio e pela sensação de ter sido abandonada à minha própria sorte, já que à esta altura a ciclofaixa se transmuta em uma ciclovia desbotada e de sequência pouco ortodoxa. Sem parar de pedalar e um pouco perdida nas ruas vazias do centro velho da cidade, como uma Dorothy às avessas, tento através de mapas mentais resgatar minhas referências e conhecimentos urbanísticos a fim de retomar os caminhos vermelhos que me levarão, não exatamente à cidade das esmeraldas (como no filme O Mágico de Oz) mas sim de volta à minha casa, à esta altura quase uma miragem. Em meio a uma espécie de transe provocado por memórias e sensações recolhidas desde o momento em que saí de casa, me vejo em plenos jardins da Praça Dom José Gaspar, onde por trás de frondosa e pródiga vegetação consegue-se enxergar a Biblioteca Municipal Mario de Andrade, o glamouroso Edíficio Louvre (do excêntrico arquiteto Artacho Jurado) que com seus ladrilhos azul e rosa, além de seus trejeitos Art Nouveau, me acenam com uma nobresa jamais perdida.

Com o corpo molhado de suor e a alma lavada, dou uma breve parada ao lado do Pari Bar e ao contemplar do lado de fora sua atmosfera nostálgica, tomo fôlego para encarar a ígreme subida da Rua Consolação. Completamente distraída por tantos edifícios emblemáticos e personagens caricatos, tenho a impressão de ter escapado de uma história em quadrinhos do Will Eisner e chego ao cruzamento da Avenida Paulista, onde aguardo o sinal abrir ao lado de outro histórico e clássico bar da cidade, o remodelado Riviera Bar.

As bancas de flores da Av. Doutor Arnaldo, colorem e dão vida aos muros brancos do Cemitério do Araçá, o qual silenciosamente nos lembra que estamos apenas de passagem, não importa quanto caminho percorremos e o quanto ainda temos à percorrer.

Bom Ano Novo a todos!

 
 
 

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