CIDADE OCULTA*
- Denise Polonio

- 19 de abr. de 2015
- 4 min de leitura

Para variar um pouco, saio correndo de casa rumo ao Parque Villalobos onde normalmente treino nos dias de semana. Do bairro de Pinheiros onde moro até o parque, são aproximadamente 4,0km com uma subida ígrime e curta logo de cara mas depois o percurso é plano. O nome Pinheiros para este bairro localizado na Zona Oeste de São Paulo, soa um tanto bucólico mas sem querer ser estraga prazeres, tenho a impressão de que seria equivalente a chamarmos o Mussum de alemão... Ironias à parte, o fato é que pouquissimos exemplares desta espécie foram encontrados durante meu trajeto que incluiu a Av. Pedroso de Moraes e sua continuação que, à partir da Praça Panamericana, muda de personalidade e passa a se chamar Professor Fonseca Rodrigues.
Enquanto corro, fico pensando nessas personalidades todas que emprestam seus nomes às ruas da cidade, em sua maioria ilustres desconhecidos dos cidadãos. Penso também no nome dos bairros e dada minha formação, recorro aos meus modestos conhecimentos urbanísticos e lembro-me que para muitos historiadores este seria o primeiro bairro de São Paulo, tanto por suas origens indígenas, como portuguesas. Seja lá o que for fico pensando que alguns teriam mais prestígio do que outros já que algumas ruas e avenidas adquirem má fama e conseguem ser odiadas e temidas pelos que aqui vivem ou também pelos que estão de passagem.
Correr pelas ruas da cidade a meu ver, poderia ser considerado uma modadlidade de esporte radical já que enfrentamos uma variedade de obstáculos nem sempre previsíveis e em certos casos um tanto quanto insólitos. Encostado na Vila Madalena, estes dois bairros tradicionalmente boêmios, ostentam especialmente nas manhãs de finais de semana e feriados, resquícios da noite anterior o que muitas vezes denotam uma consciência abalada tanto por teores etílicos quanto pela ausência de cuidados com uma cidade tradicionalmente maltratada por tudo e por todos, lamentavelmente. E lá vou eu desviando de garrafas de cerveja, preservativos ( ! ), buracos, raizes de árvores que rompem as calçadas, caçambas de entulho, lixeiras que obrigam o pedestre a se lançar em direção à rua, guias mal rebaixadas e outros privilégios para o carro, este grande vilão que odiamos amar. Mas nem tudo é tão mal assim já que, como disse no post Beleza Roubada, em alguns momentos a poesia se revela ainda que seja em muros grafitados com desenhos lúdicos ou lisérgicos.
Penso e planejo meu percurso baseada na distância de 14km previstos para este treino e traço um roteiro que embora familiar, em geral percorro de carro a fim de chegar rapidamente no parque durante os dias de semana, uma vez que os compromissos do dia comprimem o tempo disponível para o que fazemos por opção e prazer, no meu caso a corrida (por mais controvertida que soe esta preferência). Vou correndo pela ciclovia que há no canteiro central da avenida que leva ao Villa- para os íntimos- e apesar do trajeto arborizado e agradável, emoldurado por um entorno de construções horizontais, a dureza do piso torna o esforço e o impacto nas articulações mais agressivos e sentidos do que em corridas no asfalto. Mas este é o preço a ser pago a fim de se garantir um treino seguro pelas ruas da cidade e afinal de contas, não é sempre que submeto minhas articulações a este tipo de provação então sigo em frente sem pensar muito na questão.
O início de meu trajeto pela Avenida Pedroso de Moraes é marcado pelo edifício projetado por Ruy Ohtake, este importante arquiteto brasileiro, filho da artista Tomie Ohtake falecida recentemente e que nos deixou importante legado cultural e artístico. Com os primeiros raios de sol incidindo nas superfícies reflexivas dos vidros que compõem sua fachada, as ruas adquirem um curioso efeito caleidoscópico e tigem o seu entorno de um tom meio rosado e me proporcionam o privilégio de participar de um momento único o qual me traz à memória um filme visto há muito tempo do qual me lembro quase nada a não ser a inocente frase: "Todos os dias ao amanhecer o Sol nos presenteia com um magnífico espetáculo, entretanto a grande platéia permanece dormindo." ou algo parecido com isto. Sorrio de mim mesma ao me ver pensando em poesia enquanto me esforço em controlar a respiração e em acordar os músculos para mais um treino rumo a cidade de Tromso e lá correr a Maratona para a qual me preparo agora, daí então me tornar platéia enquanto corro de um sol que brilhará à meia noite, assim espero!
Abaixo, o percurso deste treino:


Acima, algumas das imagens do percurso.

* O título deste Post novamente é uma citação. Desta vez a um filme brasileiro de 1986, com nada mais que Arrigo Barnabé no elenco e também Carla Camurati! Assisti ao Cidade Oculta quando ainda estava na faculdade. Considerado um filme Cult, a trilha sonora é por assim dizer um tanto quanto bizarra para os ouvidos mais incautos e integrou o movimento conhecido como Vanguarda Paulistana, do qual também fizeram parte Tetê Espíndola, Itamar Assumpção, dentre outros.




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