Regenerando o corpo e a alma
- Denise Polonio 
- 16 de mai. de 2015
- 3 min de leitura
Atualizado: 29 de out. de 2021

Acordei cedo e consultei o google maps para me situar e traçar um percurso do apartamento em que me hospedei na cidade de Florianópolis rumo à praia dos ingleses, bem ao norte da ilha.
2,4 km foi distância que percorri pelas ruas do bairro até esta praia onde o sol despontava no horizonte criando um reflexo prateado no mar de onde vinha também uma brisa fria cheirando a maresia. Dou uma olhada de ponta a ponta para ter uma idéia de sua extensão e verifico também a areia firme na beirada que possibilita correr sem muito esforço, já que planejara um treino regenerativo dos 30k que havia corrido no dia anterior.
Corrí no sentido sul e ao chegar neste limite que é o canto dos ingleses, assito à prosaica cena de pescadores puxando um barco para a areia, provavelmente já com os peixes que seriam vendidos e consumidos nos restaurantes e bares da ilha. Um pescador solitário observa o mar com seu ar contemplativo fazendo-me vir à mente O Velho e o Mar e fico pensando se este pescador de agora estaria vivendo, como o velho Santiago, uma maré de azar. A visão das dunas do lado direito dispersa minha atenção do pescador com a ajuda do mesmo vento que carrega as areias formando elevações em locais onde o mar traz mais areia para a praia do que consegue levar de volta. É uma visão atraente mas perturbadora porque, ao menos para mim, gera uma sensação de infinito ou de uma certa ausência de limites. Tento fazer um mapa mental e estas dunas, conferi depois no mapa real, me dão a impressão de um tecido esgarçado que separa áreas ainda com vegetação. Dou a volta e sigo agora em direção ao norte, onde o limite pela praia é o morro da ponta das feiticeiras transpondo-se para o outro lado, a praia brava. Nesta direção, a visão das dunas é substituída por construções de casas e prédios que se debruçam de modo nada sutil buscando a parte que os caberia deste litoral.
Ao começar a correr meus músculos ainda fatigados pelo longo treino anterior fizeram-me quase desistir mas logo após a fase de aquecimento corrí solta e minha mente também provocando reflexões e derivações sobre os ambientes e suas pessoas. A corrida, assim como qualquer prática esportiva, envolve um esforço físico e muitas vezes no ápice deste, a mente se desliga do contexto fazendo com que se entre num estágio de semi-consciência onde nada mais é registrado. Nas maratonas que fiz, há uma certa altura, não consigo mais prestar atenção em nada, ainda que o percurso seja uma completa novidade. Para mim, é como se a mente se desligasse do que se passa fora do corpo e os movimentos entrassem num moto contínuo que só é interrompido com a aproximação da linha de chegada. Mas neste curto treino corri como se estivesse decifrando um território para conquistá-lo ou por ele ser conquistada e desta forma, com a sensibilidade a flor da pele, concluí mais um treino que regenerou meu corpo e também minha alma.

O livro citado, O Velho e o Mar é um romance de Ernest Hemingway, escrito em Cuba, na década de 50. Foi a última grande obra de ficção a ser publicada ainda durante a sua vida, sendo uma de suas obras mais famosas. A essência da história é a luta constante do homem contra a natureza, onde a disputa pela sobrevivência dá destaque não só à experiência, como também à sorte e à perseverança. Coincidentemente li este livro já há algum tempo, em uma viagem de férias que fiz à Florianópolis e lembro-me de terminá-lo de ler deitada na areia da praia dos sonhos, profundamente comovida com a história do pescador Santiago e seu jovem amigo e cúmplice, Manolin. Vale a pena se deixar levar por estas águas...







Acima em vermelho, o percurso deste treino.




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