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Vou atravessar*

  • Foto do escritor: Denise Polonio
    Denise Polonio
  • 13 de abr. de 2019
  • 4 min de leitura

Entro em minha caixa de e-mails na expectativa de encontrar algo que pudesse revolucionar certo tédio existencial o qual venho experimentando ultimamente ou algo que fosse capaz de provocar uma mudança significativa nos desgastados percursos de minha mente.

Em meio ao lixo virtual que é lançado diariamente em nossas caixas de entrada, pinço com o mouse a planilha de treinos da semana recebida do técnico de corrida.

Desde minha última prova que foi uma corrida de montanha na Serra da Canastra, no estado de Minas Gerais, em novembro de 2018, tento fazer com que minha mente retome o controle sobre sedutores impulsos que convencem o meu corpo a permanecer em inércia e, a convite de uma amiga, experiente corredora de montanha, decido inscrever-me junto a ela na exótica e desafiadora prova de aventura EL CRUCE.

Esta prova pouco convencional para quem não conhece é uma espécie de Meca para corredores que buscam ampliar os limites de suas conquistas pessoais através do desafio de se submeterem a condições onde o confronto com as adversidades da natureza e o inusitado é constante tornando esta, não meramente uma prova de superação física, mas também uma forma de exercício de humildade e autoconhecimento.

Ao buscar informações sobre o percurso desta prova, descubro que a travessia dos Andes foi um dos feitos mais importantes nas guerras de independência da Argentina e do Chile, na qual um exército combinado de soldados argentinos e exilados chilenos invadiu o Chile, partindo da cidade Mendoza (à época parte da província de Cuyo) em direção ao Chile por caminhos inesperados, para atacar de surpresa, sem que fossem notados, as forças favoráveis à coroa espanhola contribuindo assim para a libertação da região do domínio espanhol. Essa travessia levou 21 dias.

Ciente da importância histórica deste trajeto e imbuída de um espírito desbravador começo a estabelecer estratégias para atingir um objetivo bem mais modesto do que o de nossos antepassados, mas algo que deverá se constituir em um episódio muito especial de conquista pessoal. Seguindo as pegadas históricas, parte-se da Argentina em direção ao Chile, cruzando-se a Cordilheira dos Andes por três dias e não é preciso muita imaginação para simular o que se deve esperar já que o site da prova nos adverte que esta requer um alto nível de treinamento e uma capacidade de adaptação às condições que podem ser extremas, destacando que não se trata de uma corrida para aqueles que não estão acostumados com o frio, o vento, a neve, a chuva, as longas rotas, desnivel significativo, a vida no acampamento e a fadiga acumulada.

Para o filósofo Schopenhauer, o sofrimento é uma parte inerente da vida humana porque decorre da nossa vontade e de todas as frustrações consequentes da impossibilidade dessa vontade se manifestar.

Aos que me acompanham diretamente por muitas das corridas que fiz por aí e também aos que veem até aqui para ler aquilo que o som de minhas passadas e de minha respiração produz ao reverberar em minha mente, não é preciso revelar que tenho certa predisposição natural ao sofrimento o que faz com que esta prova como um objetivo (não apenas de corrida) seja, senão um meio para vencê-lo, ao menos um caminho que possa minimizá-lo.

Ao escolher submeter-me deliberadamente ao sofrimento espero que a minha mente encontre caminhos inéditos mesmo sabendo que durante o percurso poderá haver perdas, separações, interrupções, mas, sobretudo que eu esteja preparada para elas.

Durante a preparação para as quatro maratonas que corri, os treinos para se atingir a meta de 42km195m foram divididos em metas intermediárias fazendo com que as crescentes distâncias percorridas pudessem aos poucos se transformar numa rotina para meu corpo. De certa forma o hábito nos define e numa maratona ainda que haja algumas variações durante o percurso, o esforço é repetitivo e a partir de certa altura é o cérebro que assume exclusivamente o comando convencendo principalmente as nossas pernas de que é preciso continuar até que a meta de se cruzar a linha de chegada seja alcançada.

Em 2017 e em meio a significativas mudanças pessoais resolvi mudar também de modalidade de corrida e então realizei minha primeira prova fora do asfalto na Praia do Rosa em Florianópolis, Santa Catarina. Sem saber muito que esperar e também sem um preparo físico específico para este tipo de prova, percorri dunas de areia, trilhas de terra, trechos íngremes com piso de pedra e cascalho além de vários trechos na praia e ao final fui surpreendida não só pela beleza das paisagens como também com a segunda colocação em minha categoria.

Voltei para o asfalto onde permaneci por mais alguns meses até decidir que deveria romper o hábito me expondo novamente ao imprevisível ou a algo capaz de acrescentar novos significados à minha rotina e assim passei a treinar com a equipe de corrida de montanha para que, no final deste ano de 2019, eu possa realizar esta travessia a qual espero, me levará muito além das fronteiras acidentadas entre dois países.

* O título deste post é uma menção à expressão italiana Attraversiamo que significa vamos atravessar e que se popularizou por ter sido utilizada no filme Comer, Rezar, Amar (protagonizado pela atriz Julia Roberts, em 2010) como uma metáfora poética de ir adiante, arriscar-se.

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